Da carta que eu não mandei

Estou escrevendo escondido, nem sei se deveria. Mas sabe, eu amei toda a vida. Desde o início até o meu hoje. Fui juntando as minhas meninices e a minha vontade de felicidade e costurei sentimentos bons. É claro que só a costura não deu certo. Foi então que eu uni os retalhos num bordado que fizesse sentido pra mim. Procurei você em todos os lugares e em cada esquina. Talvez eu estivesse no caminho errado. Nunca vou saber. Só ouvia um desejo do dentro que me dizia que eras a peça principal do que eu tecia. A verdade é que os pontos nunca ficaram realmente prontos. O desenho que eu tentei fazer nunca teve um fim. E o que eu mais queria era deixar tudo pronto só pra pendurar na minha janela. A janela da frente. Pra todo o mundo ver. Ao invés disso, reverti o que eu fazia e desatei a linha. A agulha fugiu das minhas mãos e eu nem tentei procurá-la novamente. É um mínimo que eu guardava minuciosamente. Mas hoje não. Esquece. Não deu. Ainda não sei se devo deixar isso tão à mostra. Mas fui assaltada. Levaram de mim alguns dos meus bens. Já falei que perdi a agulha. As linhas não tenho mais. Os retalhos nem sei onde andam. Fiz roupas para as bonecas com alguns deles, tadinhas, estavam empoeiradas e pouco lembradas. Os outros eu não sei mesmo. Confesso. Levaram tudo de mim. Os sonhos não, moço. Os sonhos não. Eu desmanchei o bordado que já tomava forma. Estou comprando um tecido novo pra estampar outras cores. Espero que não se importe. 

Wanderly Frota. A que furou o dedo.